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POESIA

| VISIBILIA

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        Em seu livro anterior, Solarium, o trabalho de Rodrigo Garcia Lopes se marcava sobretudo pelo que se poderia considerar uma enorme e quase desconcertante diversidade. Isto resultava do fato de o poeta praticar uma experimentação possível de ser compreendida em dupla direção. Primeiramente, de modo mais amplo, a experimentação talvez fosse busca de possibilidades bastantes distintas de elaboração dos poemas, de modo a permitir uma exposição do conhecimento e domínio da atividade desenvolvida, fazendo-se então um percurso pelo espectro da linguagem poética à disposição do poeta. A experimentação ainda se dava, em outra direção, de modo mais interno à própria elaboração poética, da construção do artefato poético. O fato é que, entre maiores e menores acertos, fica de Solarium a imagem de um vigor muito especial entre as gerações mais novas, de uma capacidade inventiva não apenas peculiar, mas instigadora.

        Já em Visibilia, ressalta tanto uma maior contenção quanto uma mais nítida homogeneidade - característica que nelas mesmas talvez não apresentem qualquer indício de calor. No entanto, o que importa é que a partir dessas posturas resultam alguma realizações primorosas.

 

        Em dimensões em geral mais reduzidas - tanto em extensão quanto da amplitude seja dos recursos formais das inquietações do sujeito - a poesia de Rodrigo Garcia Lopes em Visibilia como que tensiona seus recursos e adensa o esgarçamento das impressões que movem o sujeito - muitas vezes fugazes, silenciosas, rarefeitas -, retém-se sempre o fluxo, a organização verbal ora cede ao quase-silêncio, as fraturas inevitáveis são as da linguagem. Alguns trânsitos se operam em torno dessas impressões, de modo a eliminar qualquer suspeita da redução do fôlego: como entre situações exclusivas do sujeito e um âmbito mais vasto de elocução, como em poemas breves, formas de tradição, discursos mais amplos e situações inusitadas.

 

        Em termos de gerações, entre salvados das fulgurações (muitas vezes rija) das vanguardas e desordenações (por vezes flácidas) que correram pelas margens, o trabalho de Rodrigo Garcia Lopes propõe-foco efetivamente poético-rearticulações por meio de uma produção que sabe desencadear ânimos e cálculos, com belíssimos resultados.

Julio Castañon Guimarães

(Em Visibilia, primeira edição, Setteletras, 1997)

 

        É pelo menos raro encontrar na poesia brasileira atual una exploração da relação homem-mundo-linguagem como a praticada por Rodrigo Garcia Lopes (1965).

       Sua linguagem se estabelece no mundo como matéria autoconsciente que não se limita a dizer-se: se dá chance de ir mais além desse saber de si mesmo. Pendular, oscilante entre a notação rápida que capta o instante - o tempo: una obsessão em Garcia Lopes - e o desdobramento reflexivo que alonga a duração e a faz transbordar, sua linguagem parte de um núcleo de irradiação geralmente dada na fala e conquista margens que situam o poema em um espaço inédito, imprevisível.

       A insistência dessa linguagem em ser cosa mentale é o que produz a impossibilidade do mundo como possível correlato objetivo. O ver de Visibilia é outro ver, um duplo ver que está fora e está dentro, é uma exterioridade auto-abastecida, um horizonte inabarcável que se desloca à vista com seu semântico limite de água, areia, sal - em uma palavra: Natureza como física - mas que a cada vez se enrosca em uma mesmidade que gera mistério: natureza como mito.

        O entorno paradisíaco que a linguagem ensina parece suceder adentro. A nostalgia pelo mito que manifesta a poesia de Garcia Lopes mostra que agora o mito é um acontecimento interno. Há um intercâmbio de posições entre a esfinge e o enigma. O leitor participa de dois eventos simultaneamente, um que se joga no cenário do mundo exterior que todavia recorda uma pré-modernidade idílica, sempre selvagem em si mesma, e outro que se joga na expansão de uma imagem interior que intenciona dialogar com aquele mas com a consciência de não alcança-lo. A linguagem testemunha essa ruptura, e recria-lhe. Rodrigo Garcia Lopes reitera, sem drama e com impecável domínio técnico, a cisão entre homem e Natureza e estende uma ponte poética para a meditação. Uma ponte solidamente articulada na melhor tradição da poesia ocidental: a da concreção linguística.

        Uma tradição que sabe que ainda para revelar a condição humana errática e errante é necessária uma linguagem poética perfeitamente construída.

 

Eduardo Mílan
(Em Visibilia, segunda edição revista e ampliada, Travessa dos Editores, 2005)

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