POESIA
| ESTÚDIO REALIDADE
Em Estúdio Realidade, desenvolvendo e levando às últimas consequências experimentações intertextuais, polifônicas e polissêmicas que já se encontravam em seus dois mais recentes livros anteriores, Polivox e Nômada, Rodrigo Garcia Lopes reúne, num número considerável de poemas bastante vigorosos, uma impressionante variedade de estilos, formas, dicções e ritmos. O título "Estúdio Realidade" provém da exortação "Storm the Reality Studio and retake the universe", isto é, "Assaltem o Estúdio Realidade e retomem o universo", que ocorre no livro Nova Express (1964), de William Burroughs, um dos autores que comparecem no livro Vozes e Visões (1994) composto das entrevistas efetuadas por Garcia Lopes nos Estados Unidos, no princípio dos anos 1990. Como título de um livro de poemas, "Estúdio Realidade" sugere que o poeta não toma a realidade algo dado, que é preciso passivamente aceitar, receber, reconhecer. Tal é a realidade reificada, a realidade prosaica do mundo puramente instrumental, regido pelo princípio do desempenho. O poeta, enquanto poeta, toma a realidade como um estúdio. Um estúdio consiste numa unidade de produção em que um filme, um disco, um DVD, um game etc. é realizado. Se, portanto, a realidade é, para o poeta, um estúdio, então ele a toma como a unidade de produção em que seus poemas são realizados. Ora, os poemas oferecem modos de apropriação do tempo/espaço: modos de apropriação do universo; modos, portanto, de retomar o universo para a poesia. É o que o presente livro propõe fazer.
Estúdio Realidade se divide em quatro seções: "Estúdio Realidade", "Vórtex", "Pensagens" e "Quarto Escuro". Além disso, um apêndice contém "24 Aforismos Sobre Poesia". Cada poema da seção "Estúdio Realidade" é composto como uma montagem de fragmentos discursivos que resulta na totalidade polifônica e não-linear de uma explosão informacional. É a parte mais evidentemente experimental do livro. Seus poemas manifestam no próprio corpo o aforismo n° 15, segundo o qual "O poema nasce enquanto o procuramos". "Vórtex" explora diversas formas poéticas (poema em prosa, epigrama, alba provençal, oriki africano, haicai, aforismo, poema visual etc.). A própria diversidade das origens culturais dessas formas já mostra que o poeta não tem, aqui, nenhuma pretensão a prestar homenagem às regras tradicionais. Longe disso, ele não está senão exercendo plenamente sua liberdade poética em relação não somente a toda tradição, mas também em relação a toda ideologia. "Pensagens", como o próprio nome indica, contém poemas mais reflexivos, filosóficos, logopaicos, e pode ser caracterizada, segundo uma definição de Ezra Pound que Rodrigo Garcia Lopes gosta de citar, como uma "dança do intelecto entre as palavras". Finalmente, em "Quarto Escuro", o poeta traz a afinidade entre o imaginário, a estrutura e as convenções do gênero da novela de detetive, de mistério e do romance policial para a poesia.
A divisão do livro em seções não deve, porém, nos enganar acerca de sua profunda unidade. Em todas as suas partes encontram-se poemas que, com sua combinação peculiar de contemporaneidade e erudição, promovem uma festa de intelecto e imaginação, razão e sensibilidade, emoção e humor, cultura e intuição.
Antonio Cicero